sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Mudanças - Ser idoso, ter consciência de seus direitos!



     Hoje não sou mais aquele homem que em 1950 viu Getúlio Vargas ser eleito presidente da república com se não me engano 49% dos votos, naquela época, eu no auge dos meus vinte anos, gozava de plena saúde e disposição pra xavecar as garotas na praça. Era assim, elas davam voltas e voltas ao redor da praça, e nós homens, ficávamos olhando que nem cachorro cobiçando um pedaço de carne, mas hoje é tudo tão diferente as mulheres não são as mesmas, hoje elas saem como homens e se portam tão qual homem também, bebem, fumam, passam cantadas, em homens e em mulheres também, no meu tempo se existia o povo fazia tudo isso escondido, mas hoje é escancarado.
    No meu tempo era bom de viver, moço boa pinta como eu conseguia uma boa moça pra casar, e por falar em casamento lembrei-me de minha esposa querida, ela já é falecida, mas sinto muita falta dela.     Conheci minha esposa em 1952 no salão do Hotel Palace, era carnaval, ela estava tão linda com um vestido azul rodado, a sua pele tão branca, seu olhar pedinte, eu me apaixonei naquele mesmo instante. Ao som de uma marchinha Ai, ai, brotinho não cresça meu brotinho e nem murche como a flor... Ai, ai, brotinho eu sou um galho velho, mas, quero seu amor”, naquele dia não conversei com Izolda, os pais a vigiavam. Mas em outros encontros prometi lhe dar meu amor, e assim o fiz nunca lhe deixei faltar nada, talvez tenha errado em alguns aspectos, mas a vida era outra.    
    Realizei-me profissionalmente, trabalhei muito e montei meu comércio no ramo agropecuário, tive muitos carros, fazendas, e olhe onde estou, tive altos e baixos, perdi muitos dos meus bens vendi por uma mixaria, perdi a loja, as dívidas eram muitas e se continuasse vendendo tudo que tinha pra tapar buracos ia acabar sem nada de nada, ainda me resta um sítio, a casa da qual só me desfaço quando a morte me levar de volta para os braços de Izolda. Depois do golpe do Fernando Collor eu não consegui mais me reerguer, eu não imaginava que já aos meus 60 anos pudesse acontecer algo que me abalasse tanto financeiramente, mas vão-se os anéis e ficam os dedos.
    Hoje eu dependo do serviço do SUS e esse serviço é muito importante para mim, não é um serviço perfeito, mas hoje vejo de uma forma bem diferente da que via antes, porque eu como idoso que sou tenho meus direitos. Depois do AVC eu não fui mais o mesmo, ando arrastando minha perna, mas ando, eu faço minha caminhada exatamente como fazíamos Izolda e eu, tenho acompanhamento com fisioterapeutas também. Percebo a importância do trabalho do psicólogo, desse atendimento aqui no CAPS e ainda mais sendo a senhora a psicóloga que me atende, nunca pensei que pudesse me abrir tanto com uma pessoa ainda mais sendo uma mulher, não falo por mal, os tempos mudaram, veja bem já tem até mulher presidente. E vocês mulheres têm uma sensibilidade pras coisas, sabem bem mais que os homens, eu me arrependo por não ter permitido a Izolda fazer outras coisas, ela sempre viveu pro lar, e eu exigia isso dela, mas hoje em dia não dá mais pra pensar assim. Queria que minha Izoldinha estivesse viva, que estivesse aqui pra eu dizer a ela tudo que descobri pra que ela vivesse tempos diferentes comigo, pra que eu fosse melhor com ela e dissesse a ela mais vezes o quanto a amo, amo muito, como no primeiro dia que a vi com aquele vestido azul, me olhando timidamente, das vezes que prometia a ela mundos e fundos e ela desacreditada daquele papo de primo distante fingia que não prestava atenção, fugia de mim em corpo e olhar.   Minha mãezinha quando soube que eu estava me engraçando com a priminha distante, acho que pensou que eu era um safado cheio das más intenções, mas ao menos nisso ela se enganou eu sempre fui mulherengo sim, mas as outras garotas não tinham a magia que Izoldinha possuía, ela conseguia transformar qualquer situação, ela sempre estava bem humorada, cuidava tão bem das crianças que quando os vejo hoje, Arthur meu filho trabalhador, estudou em universidade federal formou-se como advogado, às vezes confundo minhas lembranças dele criança, e como era esperto, com a adolescência, sempre um jovem aplicado, agora olho para os cabelos brancos dele e vejo que realmente estou velho, minha filha também, a graciosa Dorinha, agora está tão envergada quanto minha avó, e quanto dela Dorinha têm traços e mais traços. Minha filha está morando em minha casa, diz que é pra cuidar de mim, mas sei que é porque ela se sentia sozinha e como pai eu tenho que cuidar dela, uma boa garota, se casou tão novinha com um rapaz anos mais velho, teve três filhos, o mais novo também mora conosco, passa o dia todo no computador, não sei como não se cansa. Encasquetou de fazer um MSN pra mim, eu nem sequer sabia que diabos isso era, mas eu tenho aprendido a ser mais flexível, então me dispus às aulas, mas sabe que estou gostando muito, isso me aproximou do Carlinhos, meu neto era muito reservado, o achava até um pouco triste, pensava que era pela morte do pai, mas nunca tive coragem de tocar no assunto. Quero muito viver, e pra viver bem eu aprendi a aceitar melhor as mudanças.
 




Uma pessoa permanece jovem na medida em que ainda é capaz de aprender, adquirir novos hábitos e tolerar contradições.” (Marie Von Ebner-Eschenbach)